Viagem ao passado
- escritoraednamendo
- 30 de set. de 2022
- 3 min de leitura
30/09/2022 #históriasdeescola


De volta ao passado #crônicas
Eu lecionei em uma escola da prefeitura, muito simples na zona rural de Maringá.
Vi esta foto antiga numa loja de Maringá e percebi que fora a minha escola Machado de Assis.
Segue aqui em baixo, parte do meu livro “História e dicas da professora Edna”.
“Foi uma época muito interessante, num período dava aula numa
escola rural da prefeitura e no outro período no colégio particular.
Quando cheguei na escola da zona rural havia quatro primeiras séries,
acharam mais prático juntar todos os alunos com dificuldades em
uma turma e dar para mim que estava chegando (legal para elas). Eu
tinha aluno de seis anos que não contava até dez oralmente, outro com
quatorze anos e havia repetido não sei quantas vezes a primeira
série. Todos muito pobres.
Moravam em sítios longe, caminhavam quilômetros para pegar o
ônibus da prefeitura e chegar à escola, que era na estrada de barro.
Um dia o meu aluno de dezesseis anos andou sete quilômetros
debaixo de chuva pelo barro com um guarda-chuva e chegou na escola
todo molhado falando que o ônibus não passara. Só nós professoras
estávamos lá sem nenhum aluno. Dei atividade para ele fazer em casa e
ele voltou debaixo da chuva para casa a pé.
O dia que chovia muito tudo ficava intransitável e não havia aula
(folga para professoras e alunos). Eu pegava a kombi da prefeitura, íamos
apertadas, toda a equipe da escola num só veículo. Passava em um lugar
para levar a merenda e andávamos quase uma hora para chegar à escola,
com a kombi cheirando a merenda do dia, que era sempre uma sopa em
galões.
Como não tinha sala para a minha nova turma, fiquei em um
salão empoeirado, calorento no verão e gelado no frio. Fiz campanha
com a família para arrumar agasalhos para eles.
Muitos nunca haviam saído da cidade, nunca haviam ido ao cinema e
nem ao parque público da cidade.
A turma era muito heterogênea de idade e conhecimentos.
Montava grupinhos de acordo com o que sabiam e passava atividades
diferentes. Foi difícil, mas fiz o melhor que pude (sempre faça o melhor
que puder e sairá satisfeita da sala). Tinha o mesmo amor por eles, com
suas dificuldades. Ali soube o que é pobreza.
Recordo-me do dia que chegamos cedo para trabalhar e fomos
presenteados com a florada do cafezal onde a escola ficava. Era a coisa
mais linda, do dia para a noite o cafezal era só flor branca e um perfume
que eu nunca havia sentido, com a mesma rapidez que surgiu, sumiu
em poucos dias.
De manhã era esta turma e à tarde o colégio particular mais caro da
cidade. Saía cedo de casa para alfabetizar duas realidades tão diferentes.
Levava marmita, que minha mãezinha fazia para mim, lanches para os
dois períodos, toalha de banho, sabonete, roupa e sapato para trocar na
hora do almoço. Calcula o tamanho da mala. Almoçava minha marmita,
escova os dentes, me penteava e perfumava para enfrentar a batalha da tarde.
Sendo jovem, você aguenta tudo!
Você pode me perguntar: Qual é a diferença entre os alunos mais
pobres da cidade e os mais ricos. Eu digo todas e nenhuma. Os do
sítio não conheciam nem os pontos turísticos da nossa cidade e dos
do colégio particular passavam as férias na Disneylândia, iam para a
Europa e pelo mundo afora. Os do sítio mal contavam de um a dez
oralmente, os da cidade contavam em inglês, tinham pais estudados e
que incentivavam a leitura. Mas a essência é a mesma, criança é criança,
é pura e feliz.
Têm alunos brilhantes nas duas realidades e alunos com
dificuldades também. Somente via que os do colégio particular
tinham mais conteúdo pois frequentavam a escola desde muito cedo
e pais leitores e cultos, falavam mais corretamente também. Era uma
maratona onde os do colégio particular partiam primeiro, mas a corrida
e as dificuldades eram as mesmas.
Edna Mendonça #escritora #crônicas
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